Trabalhos
Bestiário
Julho 2017
Curadoria de Raphael Fonseca
Assistente de curadoria: Ludimilla Fonseca
Fotos: Rafael Adorján
CCSP - Centro Cultural São Paulo
São Paulo, Brasil




Alex cerveny e Eduardo Berliner participam da exposição bestiário com curadoria de raphael fonseca. A mostra
está pautada no diálogo entre as obras pertencentes à coleção de arte da cidade de são paulo e ourtas de
artistas brasileiros de diferentes gerações.
A exposição Bestiário, projeto curatorial de Raphael Fonseca, contemplado no Programa de Exposições CCSP
2017, articula obras da Coleção de Arte da Cidade/CCSP com obras de artistas convidados e investiga a
relação entre humanidade e animalidade, figura humana e monstruosidade.
O termo advém dos livros produzidos durante a Idade Média que reuniam coleções de monstros, animais
fantásticos e selvagens.
Com cerca de 100 obras selecionadas, o espectro de temáticas abordadas na exposição vai desde a religião, a
colonização e a formação do nosso imaginário popular até as maneiras de lidar e pensar sobre a alteridade, o
diferente, o novo e o estranhamento na atualidade.
A coletiva reúne o trabalho de mais de 50 artistas, entre eles 14 já indicados ao Prêmio PIPA: Armando
Queiroz, Eduardo Berliner, Carlos Mélo, Cristiano Lenhardt,Erika Verzutti, Luciana Magno, Luiz Roque,
Mariana Manhães, Michel Zózimo, Pedro Wirz, Renato Pera,Rodrigo Braga e Theo Craveiro.
“Bestiário”, coletiva com Abraão Batista, Alex Cerveny, Aline Baiana, Ângelo Venosa, Anna Bella
Geiger, Armando Queiroz, Bane Huni Kuin, Bete Esteves, Carlos Mélo, Ciro Fernandes, Cristiano Lenhardt,
Dila,
Eduardo Berliner, Elisabete Finger, Erika Verzutti, Eryk Rocha, Flávia Metzler, Gabriela Mureb, Haroldo
Saboia, J. Borges Janaina Wagner, Jonas Van Holanda, José Bezerra, Liuba, Lourival Gomes Machado, Luciana
Magno, Luiza Crosman, Luiz Roque, Maílson Fantinel, Manuela Eichner, Marcelo Grassmann, Maria Bonomi,
Mariana Manhães, Mário Neme, Michel Zózimo, Nara Amélia, Oswaldo Goeldi, Paulo Nenflídio, Pedro Wirz, Rafael
Bqueer, Raquel Nava, Regina Silveira, Renato Pera, Rivane Neuenschwander, Rodrigo Braga, Sérgio Milliet
Sofia Borges, Tarsila Do Amaral, Theo Craveiro, Theodoro Braga, Tunga, Ulisse Aldrovandi, Véio Walderedo
Gonçalves, Walmor Corrêa e Zé Carlos Garcia.
Texto Curatorial:
Raphael Fonseca
“Bestiário” é uma experiência curatorial que aponta para o excesso. Não desejamos a frieza e o largo espaço
de respiração comum aos cubos brancos para as obras aqui reunidas. Pelo contrário: é justamente a
sobreposição de imagens, volumes e cores que nos interessa. Trata-se de um exercício deliberado de
iconofilia e um convite ao mergulho em um campo semântico-iconográfico que lida com alguns aspectos da
experiência vital: a alteridade, a incerteza e o medo dados pela apreensão de imagens que apresentam formas
que fogem àquilo que convencionamos crer que é o humano.
Esses elementos não-humanos são variados e são explorados das mais diversas formas por todos nós. Se para
algumas pessoas que leem esse texto a sugestão bestial poderá levar para uma imagem antropomórfica, outras
leitoras irão se lembrar dos animais que mais temem. Esse pêndulo entre a forma humana e a forma animal é,
certamente, um dos caldeirões mais ricos para artistas visuais e escritorxs capazes de gerar esfinges,
sereias, vampiros e lobisomens. A deformação, ou seja, a presença de uma anomalia que age na superfície da
anatomia, também é algo que rapidamente é enxergado como não-normativo e anotado no catálogo das bestas. Ao
fim do dia, é possível afirmar que a relação entre monstruosidade e imagem quase sempre passa por alguma
distorção (ou um novo desenho) das anatomias.
É tudo sobre os nossos corpos.
A palavra “bestiário” advém dos livros produzidos durante a Idade Média que reuniam coleções de monstros,
animais fantásticos e selvagens temidos pela imaginação dos monastérios cristãos na Europa. A besta, como se
percebeu no decorrer desta pesquisa, é sempre a “outra” ou o “outro”. Apontar para algo que alguém considera
como bestial é sempre dotado de um desejo discursivo embebido de intenções. Essa leitura nos permite
compreender, por exemplo, o poder cristão capaz de queimar bruxas e perseguir demônios dos bestiários
medievais à contemporaneidade. Foi esse anseio pela catalogação da diferença que fez do Padre Anchieta, em
1560, ser o primeiro a escrever a respeito de um monstro supostamente encontrado no Brasil – o Curupira,
antigo conhecido dos povos indígenas que aqui habitavam. Mas seria esse catequizador algo também muito
distante de um monstro?
Para fazer essa e outras perguntas, foi importante ter como um dos nortes dessa investigação a Coleção Arte
na Cidade, essencial acervo público de artes visuais em São Paulo. Diversxs artistas da coleção – do
modernismo a obras produzidas nesta década – se interessaram pela relação visceral entre a forma humana e a
animalesca, algo tão bem representado pela artista que nomeia a sala Tarsila do Amaral.
Diversxs artistas-pesquisadores ausentes da coleção foram convidadxs a contribuir com trabalhos já
existentes ou feitos especialmente para a exposição e formar nosso coro. Esta curadoria precisa dessa
diversidade de corpos, biografias e anseios existenciais para se manter erguida. Em 2017, os bestiários não
são mais escritos pelos monges do catolicismo. Seja alguém interessadx pela deformação da escultura ou pela
apropriação de imagens de monstros na pintura; seja uma ou um artista interessadx na exploração de seu corpo
e biografia como matéria poética ou alguém que se utiliza do registro do real para criar fricções entre o
documento e a manipulação – cada qual contribui com esse caleidoscópio.
Agora é a vez daquelxs que tentam viver diariamente com seus monstros internos – ou que são apontadxs nas
ruas como corpos desviantes – de escreverem a muitas mãos e olhares uma disposição provisória de imagens que
recodifica essa tradição enciclopédica. Cabe ao público do CCSP percorrer esse pequeno labirinto e cruzar as
suas bestas com as nossas.
Uma coisa, porém, parece certa e merecedora de repetição: é tudo sobre os nossos corpos.
